Cresce a presença de jovens na cafeicultura do Cerrado
Com tradição, tecnologia e sustentabilidade, jovens produtores renovam a cafeicultura familiar e destacam a força do campo como vetor de desenvolvimento regional
No coração do Cerrado Mineiro, onde o café não é apenas cultura agrícola, a sucessão familiar tem ganhado contornos de renovação e futuro cada vez maiores. Na Expocacer (Cooperativa dos Cafeicultores do Cerrado), que congrega mais de 700 produtores da região, o tema é tratado como estratégico.
“Garantir a entrada da nova geração nas atividades é assegurar não apenas o futuro dos nossos cooperados, mas também o legado da cafeicultura no Cerrado Mineiro”, explica Simão Pedro de Lima, diretor presidente executivo da cooperativa.
O desafio da continuidade
A sucessão é um assunto em pauta no setor. Segundo o estudo Governança e gestão do patrimônio das famílias do agronegócio, da Fundação Dom Cabral e da JValério, mais de 80% das empresas ativas no campo ainda são lideradas por seus fundadores. Entre aquelas que passaram por transição, apenas 41% chegaram à segunda geração, 16% alcançaram a terceira e menos de 1% permanecem sob comando da quarta geração ou além.
A sucessão familiar foi apontada por 26% dos entrevistados como um dos principais desafios enfrentados pelas famílias do agro nacional. Mas, no Cerrado Mineiro, o cenário se diferencia: a cultura da continuidade está profundamente enraizada nas propriedades, que têm buscado planejar a transição de forma estruturada e propositiva, resultando no crescimento do interesse dos jovens no negócio familiar.
Dois caminhos, uma mesma raiz
É nesse contexto que surgem histórias como as de Gustavo Ribeiro e Alan Michel Batista, ambos cooperados da Expocacer, que traduzem com intensidade o espírito da sucessão familiar no meio rural. Embora suas trajetórias sejam distintas, compartilham o mesmo compromisso: dar continuidade ao legado familiar com inovação e propósito.
Gustavo cresceu na fazenda. Desde pequeno, acompanhava o pai, Lázaro, nas lavouras e rapidamente entendeu que seu futuro também estaria ali, mas de forma transformadora. Hoje, lidera uma gestão profissional e tecnológica. “Minha geração já nasceu vendo um agro mais profissional. Hoje, muitos querem voltar para o campo com o desejo de fazer diferente, com base em dados e inovação”, afirma. A sucessão, para ele, é construída em parceria. “O segredo é o respeito entre as partes. Meu pai abriu espaço e eu soube reconhecer meus limites. Fizemos essa transição com leveza e profissionalismo.”
Alan não tinha planos de assumir a propriedade tão cedo. Estudava Educação Física quando a perda do pai o trouxe de volta ao campo. Com o apoio emocional e prático da mãe, que superou dois cânceres ao lado do marido, Alan aceitou o desafio. “Ela sentiu que era o momento certo de me passar a missão, mas segue ao meu lado, sempre com um conselho pronto”, diz.
Se Gustavo representa a transição gradual e planejada, Alan traduz a urgência do legado. Ambos, no entanto, conduzem suas propriedades com foco na sustentabilidade. Alan destaca as práticas que dobraram a produtividade da fazenda: captação de água da chuva, cobertura do solo, uso de biológicos e de protetor solar nas plantas. Gustavo investe em irrigação inteligente, digitalização dos processos e manejo regenerativo reconhecido internacionalmente.
Um novo olhar sobre o campo
Apesar dos caminhos diferentes, há pontos de convergência claros entre os dois jovens produtores: ambos veem a nova geração como mais aberta à inovação, mais conectada à sustentabilidade e mais preparada para lidar com os desafios climáticos que pressionam a produção.
“A nova geração cresceu vendo este desenvolvimento. Os jovens sucessores procuram inovar, buscar fontes renováveis e práticas sustentáveis, o que é essencial para contribuir com seus negócios e o meio ambiente”, destaca Alan. Gustavo reforça: “As práticas regenerativas que hoje ganham reconhecimento já eram adotadas por aqui há muitos anos. A diferença é que agora temos tecnologia e dados para comprovar esse compromisso.”
“Vejo na Expocacer uma ponte entre gerações. Os programas de capacitação, a assistência técnica e o suporte em sustentabilidade foram fundamentais para que a transição aqui na fazenda acontecesse com segurança”, afirma Gustavo. Alan também reconhece esse papel de conexão e suporte da cooperativa em sua trajetória.
Incentivo
Programas como o Teens do Café e o Elas no Café incentivam a participação de jovens e mulheres na gestão rural. Já o Programa Educampo/Sebrae oferece assistência técnica, consultorias especializadas e diagnósticos personalizados das lavouras.
A Expocacer, em parceria com o Sebrae, ministrará o curso de Preparação de Sucesores exclusivo para cooperados que desejam preparar a sucessão familiar com técnica, gestão e propósito. Serão 5 meses de aprendizado com professores especialistas.
“A inovação é a ponte que conecta o campo ao futuro. Os jovens têm afinidade com tecnologia, e quando mostramos que a cafeicultura envolve automação, inteligência de mercado e sustentabilidade, despertamos neles um novo interesse”, destaca Simão Pedro.
Simão complementa: “O futuro da cafeicultura passa pela digitalização, pela sustentabilidade real e pelo envolvimento das famílias. Não vemos obstáculos, mas desafios naturais nesse processo, como o alinhamento entre visões e o espaço para o novo. E é para isso que a Expocacer atua”.
Na raiz de cada lavoura que floresce, existe uma história que se reinventa. E é nessa mistura de tradição, coragem e inovação que a sucessão familiar segue impulsionando uma cafeicultura mais regenerativa, profissional e promissora no Cerrado Mineiro.