Quem paga a conta? O impacto dos custos ocultos no meio ambiente e na formação de preços
*Por Tiago Egydio Barreto da Fundação Eco+
Em 1776, quando Adam Smith escreveu A Riqueza das Nações, ele introduziu a ideia de que o mercado seria guiado por uma “mão invisível”, capaz de organizar, de forma espontânea, a produção, a oferta e a demanda de bens e serviços. Desde então, essa imagem de equilíbrio e racionalidade tem servido de base para explicar os mecanismos econômicos que moldam nosso cotidiano. Mas será que todas as variáveis que devem compor o custo de um produto são, de fato, computadas em seu preço?
O preço é, antes de tudo, uma informação. Ele traduz os esforços despendidos para que determinado bem ou serviço chegue até nós. Quando nos deparamos com um produto cujo valor está muito acima ou abaixo da média do mercado, é natural que surja um alerta: algo pode estar errado. Afinal, estamos acostumados a associar o preço à qualidade, procedência, mão de obra envolvida. Mas será que estamos considerando tudo?
Se aceitarmos que o preço representa o esforço de produzir e comercializar algo, é necessário refletir: quais variáveis estão sendo ignoradas na hora de compor esse valor? A estrutura econômica global, por exemplo, envolve fatores como tarifas de importação e exportação, que podem distorcer ou ajustar preços, dependendo das estratégias adotadas por diferentes governos. Um exemplo atual disso é a política tarifária praticada pelos Estados Unidos, que busca proteger a indústria nacional, elevando os custos de produtos importados. Isso tem um impacto direto na organização social e econômica dos países envolvidos no comércio com os Estados Unidos. No entanto, nesse caso, não se trata de um ‘custo oculto’ — é um custo institucionalizado e publicamente debatido.
A inconsistência surge quando a formação de preços não engloba os custos que não vemos — ou que não queremos ver. Todo produto tem um ciclo de vida: da extração da matéria-prima ao descarte final, passando pelo transporte, uso e, em alguns casos, pela reinserção em novas cadeias produtivas. Esse ciclo gera impactos — ambientais, sociais e até emocionais — que raramente são incorporados ao preço final.
Queremos qualidade de vida. Gostamos de respirar ar puro, ver rios limpos, mares cristalinos e conviver com a biodiversidade que enriquece nosso entorno. No entanto, basta olhar para um rio que cruza uma grande cidade para perceber o contraste entre esse desejo e a realidade: contaminação física, química e biológica. E o custo para tornar essa água potável cresce a cada ano.
Doenças respiratórias associadas à poluição aumentam gastos com saúde pública. Enchentes cada vez mais frequentes, provocadas por alterações no regime de chuvas e pelo manejo inadequado do solo, impõem à sociedade custos altíssimos com obras emergenciais, deslocamento de populações e reconstrução de infraestruturas urbanas.
A pergunta que se impõe é: quem paga essa conta?
Esse é o verdadeiro custo oculto: questões que não aparecem na etiqueta do produto, mas estão embutidas no orçamento público, nos planos de saúde, na perda de biodiversidade e nos impactos às comunidades tradicionais. São externalidades de um sistema de produção e consumo que privilegia o imediato em detrimento do sustentável.
Se esses custos já existem e, de alguma forma, já os pagamos, por que não os incorporar de forma mais explícita às cadeias produtivas? Como podemos, enquanto sociedade, consumidores e formuladores de políticas públicas, construir mecanismos que permitam precificar aquilo que, até então, era invisível?? Trazer essas variáveis à luz não é apenas um exercício para promovermos um debate lúcido sobre nossos impactos ao meio que vivemos, mas uma estratégia essencial para garantir a continuidade da vida em todas as suas formas.
* Tiago Egydio Barreto, é gerente da Fundação Eco+ e Biólogo com mestrado e doutorado em Biologia Vegetal
