Nem todo reciclável é reciclado: cadeia de reciclagem no Brasil ainda engatinha — e o selo não basta
Ausência de regulamentação, mistura de materiais e falta de estrutura impedem que boa parte das embalagens rotuladas como recicláveis seja realmente reaproveitada

No Brasil, a maior parte das embalagens leva o símbolo de reciclável, mas isso está longe de garantir que o material será de fato reaproveitado. A realidade é mais dura: sem regulamentação sobre o uso do selo, sem padronização técnica e com sérias lacunas na estrutura da cadeia, boa parte do que é potencialmente reciclável acaba descartada ou rejeitada pelas cooperativas.
Segundo dados da ABIPLAST (2024, base 2023), o índice de reciclagem mecânica de embalagens plásticas no país é de 24,4%. Isso significa que, apesar de muitas embalagens prometerem reciclabilidade, três em cada quatro não retornam à cadeia produtiva.“O problema não é o símbolo em si, mas a falta de estrutura, informação e tecnologia para que a reciclagem aconteça de forma efetiva”, explica Silmara Neves, cofundadora da IQX, empresa que desenvolve aditivos compatibilizantes para ampliar a reciclabilidade de plásticos mistos.
O símbolo da reciclagem foi criado em 1971, em um concurso promovido pela empresa americana Container Corporation of America. Inspirado na fita de Möbius — que representa continuidade e ciclos infinitos —, o desenho tornou-se referência mundial. Meio século depois, ele ainda estampa embalagens no mundo todo, mas o ciclo real de reaproveitamento permanece longe de ser completo.
Tecnologia e rastreabilidade para tornar o reciclável, de fato, reciclado
O grande entrave está nos materiais multicamadas ou compostos por diferentes tipos de plásticos, como embalagens de café, pet food, biscoitos e molhos. Mesmo rotuladas como recicláveis, elas não se misturam entre si sem perdas de qualidade — ou simplesmente não entram no processo de reprocessamento. Na ausência de tecnologias que solucionem essa incompatibilidade, os resíduos são considerados rejeitos, sem valor de mercado.
“A IQX atua exatamente nesse ponto crítico: nossos aditivos compatibilizantes permitem que polímeros diferentes sejam misturados sem comprometer a performance do material final. Isso transforma rejeitos em matéria-prima valiosa, com aplicações industriais reais”, afirma Silmara.
Além de reduzir a demanda por plástico virgem e as emissões associadas à produção petroquímica, a tecnologia ajuda a fortalecer a base da reciclagem, composta majoritariamente por cooperativas — muitas lideradas por mulheres. “É uma inovação com impacto ambiental, econômico e social”, completa.
Falta clareza para o consumidor e padronização para a indústria
Sem uma política nacional que padronize a rotulagem e oriente o consumidor, a mensagem do símbolo acaba sendo mais simbólica do que prática. Iniciativas como o projeto Lupinha, da ABRE (Associação Brasileira de Embalagem), mostram que é possível indicar ao consumidor como e onde cada parte da embalagem deve ser descartada, melhorando a triagem e facilitando o trabalho das cooperativas. “Transparência é fundamental. Não basta rotular como reciclável; é preciso garantir que o material seja efetivamente reciclável e, principalmente, reciclado”, defende Silmara.
Sobre a IQX – Premiada pelo BNDES Garagem como startup de impacto socioambiental, a IQX foi fundada em 2011 pelas cientistas Carla Fonseca e Silmara Neves, e desenvolve soluções inovadoras que aliam desempenho técnico e sustentabilidade na indústria plástica. A empresa está sediada em Valinhos (SP).






