COP30: Brasil tem vantagens para liderar a transição energética, mas subsídios ainda puxam o país para os fósseis
Incentivos aos combustíveis fósseis e falta de planejamento podem comprometer uma transição justa e sustentável

“A gente precisa fazer essa estruturação de maneira que não provoque um trauma de algo que não tenha funcionado”, diz Ricardo Baitelo, gerente de projetos do IEMA. Em uma fala marcada por otimismo cauteloso, ele destacou o papel estratégico do Brasil na transição energética global durante o painel “Subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis”, no Pavilhão Brasil na Blue Zone, durante a Conferência das Partes (COP30) que acontece em Belém, no Pará. “O Brasil, comparado a outros países, tem uma posição invejável. É um país com a maior parcela de eletricidade de energia renovável, é um país que tem água, território, sol e vento”, afirmou.
Para ele, a nação reúne condições únicas para liderar uma indústria sustentável, com potencial no hidrogênio e nos biocombustíveis. No entanto, enfatizou que esse avanço deve ser conduzido com responsabilidade e planejamento: “A gente precisa fazer essa estruturação de uma maneira que isso valha a pena, que não provoque um efeito colateral e um trauma de algo que não tenha funcionado”.
O especialista também chamou atenção para os desafios internos de equilíbrio econômico e social, especialmente no setor elétrico, onde subsídios mal calibrados impactam diretamente a inflação. “A conta de eletricidade é um dos grandes problemas da inflação. A inflação é um grande problema, eu acho que é um símbolo que se retroalimenta”, alertou. Ele comentou ainda sobre a urgência de soluções escaláveis, a exemplo da eletrificação e dos combustíveis renováveis, defendendo que todos os caminhos devem ser considerados para uma transição justa.
Para quem está de olho no dinheiro do governo, a história não é bem esta. Guilherme Pereira Souto, da Secretaria de Controle Externo de Energia e Comunicações do Tribunal de Contas da União (TCU), ressaltou a contradição entre o discurso de transição energética e a prática dos investimentos públicos no setor.
“A gente teve um trabalho que mostrou que até 2021, creio que foram cerca de 240 bilhões de reais em desoneração para o Regime Aduaneiro Especial de Exportação e de Importação de Bens (Repetro), com valores absurdamente altos”, afirmou. Souto apontou que, apesar da matriz energética brasileira ser uma das mais limpas do mundo, os incentivos continuam majoritariamente voltados para combustíveis fósseis.
“Temos aproximadamente 60 bilhões de reais em investimentos, e desses valores, quase 65% é só para petróleo e gás, e só 11% desse destinado à geração renovável”, alertou. Segundo ele, o papel do TCU é justamente expor esses desequilíbrios: “A gente pode apresentar tanto para a sociedade quanto para o Congresso essas incoerências, levantar riscos e alternativas para que se tome a melhor decisão possível com base em informação”.
Para Nicolas Lippolis, pesquisador do Center on Global Energy Policy da Columbia Climate School, o debate sobre a transição energética passa por uma mudança de perspectiva sobre o uso do dinheiro público. “A gente tem muito dinheiro público do contribuinte envolvido na economia fóssil”, afirmou, destacando que subsídios à produção de petróleo e gás acabam reforçando a dependência dos combustíveis fósseis e diminuindo o espaço fiscal para investimentos climáticos.
Lippolis argumenta que o Brasil pode assumir um papel estratégico nessa agenda ao articular a remoção de subsídios internacionais: “O Brasil pode fazer um trabalho importante em trazer à tona a natureza dos subsídios que temos, e coordenar propostas multilaterais para eliminá-los”, disse.
Ticiana Alvares, do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), trouxe uma perspectiva crítica sobre a participação do Brasil na Conferência das Partes e o papel dos subsídios na transição energética. “Estamos numa COP realizada no Brasil, no meio da Amazônia, sendo cobrados por um encaminhamento que aponte para o fim dos combustíveis fósseis, mas isso contradiz um pouco a realidade do país”, afirmou.
Para ela, antes de rotular subsídios como eficientes ou ineficientes, é preciso esclarecer os objetivos do Estado brasileiro. “Do ponto de vista do Ineep, eficientes são os subsídios que vão desenvolver cadeias produtivas de valor e que são condizentes com a descarbonização”, disse, destacando que o foco deve estar na criação de indústrias de baixo carbono e no combate à pobreza energética. Alvares defendeu ainda uma abordagem soberana para a transição: “A gente precisa cobrar essa resposta do Estado brasileiro a partir da nossa realidade, senão vamos replicar um discurso que não condiz com o interesse nacional e faz parte de uma disputa geopolítica”.
“A gente já está fazendo a transição elétrica há 50 anos. O petróleo fez isso por seis anos”, comentou Ricardo Fujii, do WWF, apontando que a transição passa por decisões sobre incentivos, regulações e o papel dos subsídios. Para Fujii, o Brasil precisa “fazer a lição de casa” sem perder de vista as contradições do cenário atual e o potencial do país em liderar caminhos inovadores de transição energética.






