Construção Civil cria própria demanda de profissionais para driblar escassez de mão de obra
Industrialização do setor também é saída para resolver questão geracional
O mercado de construção civil começou aquecido em 2024. A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) revisou de 1,3% para 2,3% a sua previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do setor para o ano, índice acima das previsões iniciais para o PIB Brasil. A geração de vagas também vem apresentando boas perspectivas. Em abril, o Termômetro ABRAMAT, relatório da Associação Brasileira de Materiais de Construção, apontou que 21% das indústrias de materiais de construção pretendiam aumentar no número de empregados naquele mês, enquanto para 75% das empresas haveria estabilidade no número de empregados. A indústria da Construção Civil emprega formalmente 2,8 milhões de trabalhadores, atualmente.
No entanto, líderes de grandes indústrias têm enfrentado um problema progressivo de escassez de mão de obra qualificada. A questão não é recente, mas sua solução requer novas abordagens. Cristiano dos Anjos, CEO da Kingspan Isoeste, líder global em construtivos isotérmicos, com cinco fábricas no Brasil, cita impasses geracionais e tecnológicos para dificuldade de renovação de profissionais no segmento.
“O desafio agora é dialogar com novas gerações que não se sentem mais atraídas por trabalhar nas construções, em especial pelo modelo de trabalho braçal que persiste. Há ainda a questão do custo elevado e do risco civil. A realidade cultural de pessoas tradicionalmente carregando pesos debaixo de um sol escaldante está mudando, e o setor precisa acompanhar a transformação tecnológica que já existe, mas ainda enfrenta desafios para a plena implementação no nosso país”, destaca Cristiano.
José Ricardo Reichert, diretor industrial da Eternit – companhia focada no setor de materiais de construção e líder de mercado no segmento de coberturas -, acrescenta que o problema se acentuou após a pandemia, quando muitos profissionais acabaram migrando de carreira. “A indústria como um todo é afetada com essa questão. Sofremos com esta escassez, principalmente, no Centro Oeste. Temos monitorado anualmente o mercado, em termos de remuneração/benefícios, e agindo dentro da nossa política de remuneração. Temos ainda buscado investir em automação, contudo nosso processo não nos ajuda muito pois já temos poucas pessoas por linha/turno”, argumenta.
Breno Arantes, sócio do Grupo Hub, consultoria de RH com soluções para Recrutamento e Seleção, aponta para as inovações e transformações que a Construção Civil vem passando, que incluem ganho de produtividade e redução de custos. “Os novos produtos do setor exigem mão de obra mais qualificada e métodos de construção e implementação diferentes. A boa notícia é que temos um volume relevante de pessoas disponíveis para aprender e serem inseridas nessa capacitação, basta as companhias desenvolverem suas iniciativas de educação, um robusto programa de relacionamento assim como as fabricantes de eletrodomésticos tem feito desde a década de 1990”, compara o executivo.
Industrializar o segmento é uma das saídas
Para a Kingsoan Isoeste, uma das soluções é investir na industrialização do segmento. Fabricante de materiais ainda pouco conhecidos no mercado residencial, mas que em outros lugares do mundo já estão bem difundidos, a atuação da Kingspan Isoeste no país é no segmento de paredes e telhas térmicas. Quando empregados em casas, prédios, complexos esportivos, lojas de departamento e praticamente qualquer outra finalidade usual da construção civil, esses produtos conferem principalmente conforto térmico, baixo consumo de energia (ou geração de energia, em alguns casos) e redução em estruturas.
A Eternit, embora conhecida pelas tradicionais telhas de fibrocimento, também possui uma linha de sistemas construtivos. São produtos diferenciados e de alto desempenho, que garantem soluções para facilitar o trabalho e oferecer praticidade em sistemas de construção a seco. A companhia acabou de inaugurar, em março, sua mais nova fábrica de telhas de fibrocimento, em Caucaia, no Ceará. A nova unidade já gerou cerca de 83 empregos diretos e mais de 400 indiretos na região. Para garantir que haja pessoal qualificado nas operações, investiu em treinamentos, através de convênios com escolas técnicas e institutos, como o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). “O desafio permanece e continuamos na busca de soluções, bem como todo setor de construção”, diz Ricardo.
“O Brasil é um país que sempre formou sua mão de obra utilizando líderes do mercado privado, um exemplo é a mineração, a siderurgia, fabricantes de equipamentos elétricos e eletrodomésticos através das escolas técnicas regionais. A construção civil não é diferente e vai precisar ir pelo mesmo caminho, o que se confirma com a chegada de novas soluções aparecendo no mercado”, corrobora Breno, do Grupo Hub.
Assim como a Eternit, para driblar a escassez de mão de obra, a Kingspan Isoeste tem investido em treinamentos internos e externos, parcerias com escolas técnicas e outras construtoras, e escritórios de arquitetura, de forma a acabarem gerando a própria demanda. “A América Latina atravessa uma urgência tecnológica, em que é necessário usar a tecnologia para industrializar a construção e qualificar a mão de obra para instalação destes sistemas de forma adequada”, afirma Cristiano. No Brasil, a Kingspan Isoeste está criando um programa de relacionamento com montadores que começará a funcionar ainda este ano, em que um dos pilares é a capacitação.
“Estamos falando de uma forma de construir inovadora no segmento residencial, mas largamente utilizada em construções industriais, comércios, shoppings e aeroportos, na qual o tijolo e o cimento dão lugar a paredes térmicas industrializadas, que além da instalação rápida confere maior produtividade no processo construtivo. No entanto, para ‘montar’ essas estruturas é preciso se especializar”, analisa Cristiano.