Especialistas debatem importância dos reservatórios de usinas hidrelétricas em períodos de eventos climáticos extremos
Especialistas das áreas de recursos hídricos, do setor elétrico, de agências governamentais, academia de engenharia, institutos de pesquisas hidráulicas, empresas de meteorologia, universidades, empresas públicas e privadas, e também que atuam na construção de barragens com reservatórios de acumulação de água de todo o país estão desenvolvendo um relatório técnico, contendo sugestões de medidas para combater, prevenir e mitigar os efeitos devastadores da estiagem e das cheias e enchentes, extremas.
Neste momento – foco preocupante de estiagem severa nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste do Brasil – os técnicos chamam a atenção para a necessidade de instalar novos reservatórios de acumulação d´água (as chamadas baterias d´água), otimizar os usos dos reservatórios de pequenas e grandes usinas existentes e também para a implantação de Usinas Hidrelétricas Reversíveis. O relatório completo deverá ser concluído e entregue em 10 dias.
“Reunimos especialistas multidisciplinares com expertises para debater soluções para prevenir e mitigar os efeitos extremos destas catástrofes. Soluções tais como a construção de barragens com reservatórios de acumulação de água que contribuem para controlar as cheias, geram energia elétrica renovável, constituem um instrumento de segurança hídrica, além de serem relevantes para a prevenção de eventos extremos e ajudam no combate a seca”, explica o Coronel Luiz Antônio do Carmo, representante do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI) e que ao lado de Daiene Bittencourt Mendes Santos, também do GSI, realizaram em Brasília o I Workshop Nacional de Prevenção e Gestão de Eventos Pluviais e Fluviais Extremos.
Estiagem extrema e exemplo positivo
Em diversas regiões em que há mais de 5 meses não chove, os rios já apresentam uma escassez de água e os reservatórios de acumulação de água, das usinas hidrelétricas antigas, já estão operando nos seus limites, especialmente nos horários de maior consumo de energia do nosso país. O mês de outubro começou com a conta de energia mais cara, com Bandeira tarifária vermelha – patamar 2. Serão cobrados R$7,877 para cada 100 quilowatts-hora. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou que os motivos são o risco hidrológico com as poucas chuvas e a queda no nível dos reservatórios, e o preço de mercado de energia elétrica, que tem aumentado por conta da seca. Lembrando que, em setembro, a bandeira tarifária já era vermelha, mas patamar 1.
Outro problema ocasionado pela estiagem foi, por exemplo, no Espírito Santo, onde devido à seca extrema, a água das torneiras ficou salgada em três cidades. A vazão dos rios baixaram tanto que, que ao invés de desaguarem na praia, é o remanso do mar que está entrando no rio de água doce. O volume de sal na água, impediu que a companhia de abastecimento fizesse a captação.
O Centro Nacional de Monitoramento e de Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) mostra que as bacias dos rios Madeira, Xingu, Tocantins-Araguaia, Paraguai, Paraná e do Vale do Jequitinhonha enfrentam uma seca hidrológica que varia de severa a excepcional, o que abaixa o nível das suas lâminas d’água, comprometendo inclusive a navegação. Em agosto, 963 municípios apresentaram pelo menos 80% de suas áreas agroprodutivas potencialmente impactadas pela seca. A pecuária está sendo diretamente afetada, prejudicando a qualidade das pastagens devido à falta d’água e à baixa umidade do solo.
Em contrapartida, em regiões do Mato Grosso que contam com reservatórios de hidrelétricas, como é o caso da PCH Santana, localizada no município de Nortelândia, a produção de tilápias não parou e a água do reservatório contribui diariamente para amenizar os efeitos do clima.
Medidas que devem compor o relatório
Durante o I Workshop Nacional de Prevenção e Gestão de Eventos Pluviais e Fluviais foram debatidas medidas de curto, médio e longo prazo a serem priorizadas para mitigar as situações extremas de cheias e alagamentos.
Dentre as sugestões de soluções apresentadas, a construção de novas barragens com reservatórios de acumulação de água, prevendo reserva de volume; a instalação de novas estações de monitoramento do fluxo de água e de trombas d’água; promover o desassoreamento de rios e lagos, a construção de usinas hidrelétricas reversíveis, o uso dos reservatório de acumulação de águas antigos, recuperação e manutenção, dos sistemas anti-inundações existentes, melhorar e ampliar os sistemas de drenagens urbanas, visando desenvolver um sistema esponja de absorção d’água, maiores detalhes serão apresentados no Relatório Técnico Final que está sendo elaborado pelo grupo de especialistas do Workshop citado.
“Após passarmos por um período de cheias e inundações extremas, agora estamos passando por um período de secas extremas, inclusive com grandes queimadas e emissões de uma grande quantidade de gases que contribuem para o aquecimento e para o efeito estufa. Com o crescimento contínuo da geração de energia intermitente (solares e eólicas), a estabilidade operacional do Sistema Interligado Nacional se torna um grande desafio para o ONS – Operador Nacional do nosso Sistema Elétrico Interligado, principalmente nos horários de maior consumo, denominado horário de ponta, que quando o sol se põe e, quando há redução significativa dos ventos, ocorre uma queda de geração de energia que chega a superar 30.000 MW”, explica Carmo que é engenheiro mecânico, com mestrado e especialização voltados para a área de Hidráulica. Ele também atuou por 34 anos na Eletrobras Eletronorte e como professor da UNB – Universidade de Brasília e no UniCEUB, na área de engenharia aplicada.
Para suprir essa queda, segundo o professor, e manter a qualidade de energia para o sistema, é que as águas estocadas nos antigos reservatórios das usinas hidrelétricas são importantes, pois garantem o fornecimento contínuo de energia renovável evitando os apagões e prejuízos.
“Entretanto, os nossos reservatórios não são mais suficientes para compensar estas grandes variabilidade de geração das fotovoltaicas e eólicas e se faz necessário o acionamento das nossas termelétricas que são bem mais dispendiosas, e que também poluem, contribuindo para o efeito estufa e para o aquecimento do nosso meio ambiente, e levando as bandeiras vermelhas e amarelas, ou seja, energia mais cara, para a população, para os nossos comércios e para as nossas indústrias”, completa.
Ele defende a construção de mais barragens com reservatórios de acumulação e a implantação das Usinas Hidrelétricas Reversíveis no Brasil – que representam hoje o maior armazenamento de energia renovável do nosso Planeta, com 179.000 MW, conforme o Relatório do IHA de 2024 – será possível reduzir o preço da energia para os consumidores mesmo nos horários de pico, aproveitando o excedente de geração intermitente fora dos horários de ponta.
De acordo com a presidente da Associação Brasileira de PCHs e CGHs (Abrapch), Alessandra Torres, a crise hídrica deixa clara a necessidade de novas pequenas hidrelétricas e inclusive estudar a inserção de novas PCHR – Pequenas Centrais Hidrelétricas Reversíveis e, principalmente, novos reservatórios de acumulação para o abastecimento da população, usos múltiplos, para permitir o crescimento contínuo das gerações intermitentes fotovoltaicas e eólicas, sem causarem prejuízos nos horários de maior consumo e a para aumentar a geração de energia limpa no Brasil.
“A estiagem severa gera reflexões sobre todos os processos do setor. Os investimentos em pequenas hidrelétricas são fundamentais para a redução das tarifas e eliminação de futuras bandeiras tarifárias, em períodos de seca como a que estamos vivenciando”, reforça Alessandra.
Segundo ela, além de contribuir com os períodos de estiagem, crises hídricas e geração de energia limpa, um reservatório pode ter usos múltiplos como a piscicultura, atividades de turismo, lazer, navegação, irrigação da agricultura, prevenção de enchentes nas grandes cidades (como é, por exemplo, o Parque Barigui, em Curitiba, que também serve de espaço de lazer), melhorar o microclima em cidades muito secas (como o lago Paranoá, em Brasília) e conforme já citado acima.
Atualmente no Brasil são 1.046 pequenas usinas em operação no Brasil, com a possibilidade de instalação de outras 2.013, sem contar com o potencial existente no bioma amazônico, que totaliza outros 108 projetos. “Importante ressaltar que a maioria dos países desenvolvidos do planeta já instalaram praticamente todas as suas Usinas Hidrelétricas possíveis, e utilizam as Usinas Hidrelétricas Reversíveis para o armazenamento de grandes pacotes de energia renovável.
ONU e o aproveitamento das PCHs
A Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial – UNIDO (acrônimo em inglês), agência especializada da ONU dedicada a promover o desenvolvimento industrial sustentável e inclusivo em países em desenvolvimento, publicou o relatório intitulado “World Small Hydropower Development Report 2022” (Relatório Mundial de Desenvolvimento de Pequenas Centrais Hidrelétricas 2022), elaborado em conjunto com o Centro Internacional de Pequenas Centrais Hidrelétricas (ICSHP).
O relatório mostra que o Brasil lidera a América do Sul em capacidade instalada de PCHs de até 10 MW. Também busca ativamente o desenvolvimento de PCHs tanto no âmbito de até 10 MW, bem como na definição local de até 30 MW.
No Brasil, a capacidade instalada de PCHs sob a definição local de até 30 MW é de 6.324,6 MW, enquanto a capacidade potencial estimada é de 35.765 MW, indicando que apenas 18% da capacidade foi desenvolvida. Para PCHs de até 10 MW, a capacidade instalada é de 1.608,2 MW, enquanto a capacidade potencial é estimada em 3.737,8 MW, indicando que 43% está atuante. Ou seja, apesar da liderança em relação aos outros países latinos, ainda há muito potencial disponível para ser explorado.
A construção de novas usinas é realizada de acordo com as metas estabelecidas pelo Plano Decenal de Expansão Energética 2029.
“As barragens para a geração de energia e para o armazenamento de água são extremamente necessárias. Possibilitam, além da geração de energia elétrica limpa e firme, o aproveitamento dos escassos recursos hídricos de água doce do mundo para diversos usos, que sem as barragens e reservatórios, terminam em água salgada no mar. Os reservatórios servem para muitos usos importantes e essenciais, como abastecimento de água para os municípios, irrigação, dessedentação animal, produção de peixes, turismo, transporte hidroviário, entre outros. Nenhum país do mundo abre mão disso, não devemos abrir também”, ressalta Alessandra Torres de Carvalho, presidente da Associação Brasileira de PCHs e CGHs (ABRAPCH).
Outro dado relevante no relatório da ONU é que o desenvolvimento de PCHs proporciona oportunidades de emprego no próprio empreendimento, abrangendo desde funções técnicas e administrativas, até serviços menos especializados. É fato, também, que as PCHs frequentemente estão localizadas em regiões rurais ou remotas, gerando empregos em áreas onde, normalmente, há uma escassez de oportunidades de trabalho como um todo e, particularmente, para as mulheres.