Estudos brasileiros com herbicida considerado cancerígeno indicam sua presença na água da chuva e em rios

Estudos brasileiros com herbicida considerado cancerígeno indicam sua presença na água da chuva e em rios

Cassiana Montagner, líder do projeto temático Plast-Agrotox, participou de reclassificação do potencial carcinogênico da atrazina 

Estudos brasileiros com herbicida considerado cancerígeno indicam sua presença na água da chuva e em rios Cassiana Montagner, líder do projeto temático Plast-Agrotox, participou de reclassificação do potencial carcinogênico da atrazina

Grupo de cientistas que se reuniu em Lyon em novembro, na sede da Agência Internacional de Pesquisas sobre Câncer (IARC), para reclassificar o herbicida atrazina como provavelmente cancerígeno (Foto: IARC/WHO)

No último mês de novembro, um grupo de 22 cientistas de 12 países se reuniu em Lyon, na França, para avaliar o potencial carcinogênico de três agrotóxicos amplamente utilizados na agricultura mundial: a atrazina, o alaclor e o vinclozolin. A partir de um conjunto de evidências científicas a respeito dos mecanismos de ação dessas substâncias em humanos e outros animais, as duas primeiras foram descritas com “provável potencial” confirmado para o câncer, enquanto a terceira recebeu o status de “possível potencial” para a doença. Em termos dos impactos desse anúncio, a maior preocupação no caso brasileiro da reclassificação da atrazina, herbicida utilizado há mais de 40 anos nos cultivos de soja, milho e cana de açúcar e o sexto mais vendido no País para o controle de plantas daninhas. Já banido no Reino Unido, em toda a União Europeia e em alguns países africanos, o agrotóxico agora deve passar por mudanças na regulamentação nacional e de outros países onde ainda é utilizado.

O encontro que realocou a atrazina no ranking mundial de compostos potencialmente cancerígenos foi organizado pela Agência Internacional de Pesquisas sobre Câncer (IARC, da sigla em Inglês), órgão ligado à ONU. A atrazina já havia sido avaliada pela IARC em 1998, ocasião em que não havia evidências suficientes na literatura científica para considerá-la perigosa a ponto de causar câncer. Entretanto, desta vez, o agrotóxico recebeu a classificação de provável carcinogênico baseada em três descritores: “evidências limitadas de câncer em humanos; evidências suficientes de câncer em animais experimentais; e fortes evidências em termos de mecanismos de atuação em sistemas experimentais”. A definição é baseada em “associações positivas para o linfoma não Hodgkin”, segundo o Volume 140 das Monografias da IARC, onde se encontram os detalhes da avaliação produzida no encontro em Lyon.

Cassiana Montagner, cientista brasileira, é um dos nomes que assina o artigo evidenciando as principais conclusões dos pesquisadores, publicado na revista The Lancet Oncology. Ela coordena o Laboratório de Química Ambiental (LQA) do Instituto de Química (IQ) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e é responsável pelo Plast-Agrotox, projeto temático financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que reúne Unicamp, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Universidade de São Paulo (USP) no estudo dos destinos e impactos dos agrotóxicos e microplásticos em matrizes terrestres e aquáticas brasileiras. Várias pesquisas orientadas por Montagner no âmbito desse projeto estudam as concentrações e a ação da atrazina em reservatórios ambientais naturais (como corpos d´água) ou artificiais (em experimentos de campo ou laboratório).

Pesquisas em andamento

A graduanda Isabela Bedani, por exemplo, avalia em laboratório, em seu trabalho de iniciação científica, a possibilidade de remoção em água desse agrotóxico, através do uso de radiação ultravioleta. O estudo verifica também quais subprodutos – compostos químicos que se originam quando um agrotóxico é degradado – são gerados a partir desse processo, inferindo quais os riscos desses subprodutos para a contaminação ambiental. A estudante explica a relevância do estudo registrando que “atualmente, as redes de saneamento básico e tratamento de água não eliminam nem a atrazina nem seus subprodutos, que muitas vezes podem ser mais tóxicos que a própria substância original”.

Já o doutorando Luís Felipe Lobo estuda as concentrações de diferentes agrotóxicos, dentre eles a atrazina, na sub-bacia do rio Atibaia, responsável pelo abastecimento da cidade e da região de Campinas e parte do Sistema PCJ (Piracicaba, Capivari e Jundiaí), que integra o Sistema Cantareira, atual fornecedor de quase toda a água potável da Grande São Paulo. Em sete pontos distintos ao longo do rio, Lobo quantifica as concentrações dos agrotóxicos presentes na água e as compara com concentrações específicas definidas na literatura como sem efeito para a biota, assim avaliando qual o risco que a presença desses compostos apresenta para os organismos aquáticos. Em resultados preliminares obtidos ao longo de 2025, o doutorando encontrou a atrazina em 100% de seus pontos amostrais, embora em nenhum deles as concentrações tenham ultrapassado os valores considerados seguros.

Entretanto, esses valores não levam em conta a recente reclassificação do potencial cancerígeno do agrotóxico. “Não há concentrações seguras quando se trata de câncer. A ‘política’ adotada nesses casos é quase como a da legislação sobre consumo de bebidas alcoólicas: uma única gota já se torna intolerável”, avalia Montagner. Um outro estudo coordenado pela pesquisadora da Unicamp e realizado por Mariana Dias, entre 2019 e 2021, encontrou a atrazina na água da chuva das cidades paulistas de Campinas, Brotas e São Paulo, mais uma vez em concentrações muito baixas e, na época, consideradas inócuas para a saúde humana.

Dias, que atualmente desenvolve um pós-doutorado no laboratório de Montagner, tem como foco de sua pesquisa a degradação desse agrotóxico em água, na presença de microplásticos. Uma vez que já se sabe que estes últimos podem sorver – carregar nas “beiradas” de suas moléculas – diferentes compostos químicos, o que a pós-doutoranda pretende descobrir agora é se a sorção entre a atrazina e dois tipos de microplásticos, a poliamida e o polietileno, tem efeito sobre a degradação da substância. A poliamida é uma fibra sintética usada sobretudo na fabricação de roupas com tecnologia direcionada para absorver e evaporar o suor. Já o polietileno é o plástico mais utilizado em todo o mundo, principalmente na fabricação de embalagens, brinquedos e materiais para a indústria.

A pesquisadora conta que alguns estudos preliminares mostraram uma alta capacidade da poliamida de reter moléculas de atrazina, explicando como estudos desse tipo – e esse achado em especial – podem ajudar a avaliar os impactos para o ambiente da associação entre microplásticos e agrotóxicos. “Os trabalhos mostram que, quando temos um corpo aquático, por exemplo, nunca temos um único contaminante, mas sim uma mistura deles, que podem interagir entre si de maneiras desconhecidas e carregar uns ao outros para locais onde originalmente não existiam”, situa.

“Nas concentrações em que foi encontrada, a atrazina na chuva é o menor dos nossos problemas. Temos estudado esse herbicida há mais de 10 anos e os resultados dessas pesquisas evidenciam-no como um poluente onipresente no ambiente. Níveis de contaminação de partes por trilhão (nanogramas por litro) têm sido constantemente encontrados em amostras de rios e água de abastecimento público com uma frequência de detecção superior a 90%. É uma contaminação invisível que precisa ser priorizada com urgência, especialmente diante da nova reclassificação feita pela OMS”, alerta Cassiana Montagner.

 

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