Rastreabilidade de agrotóxicos no Brasil: oportunidade ou custo extra?

Rastreabilidade de agrotóxicos no Brasil: oportunidade ou custo extra?

Rastreabilidade de agrotóxicos no Brasil: oportunidade ou custo extra?

Por Roberto Araújo é membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), engenheiro agrônomo, mestre em agronegócios pela EESP/FGV-SP. Atuou na indústria por 34 anos, professor MBA no Instituto Futurum e consultor

No início de junho, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) publicou a Portaria nº 805/2025, instituindo o Programa Nacional de Rastreabilidade de Produtos Agrotóxicos e Afins (PNRA). A iniciativa gerou desconfortos no agro, não pelo conceito da rastreabilidade — reconhecida como instrumento de transparência e segurança —, mas pela forma atropelada com que o Mapa conduziu o processo, em desacordo com princípios de boa governança regulatória, participação social e razoabilidade econômica. Essa condução motivou três Projetos de Decreto Legislativo no Congresso Nacional, que visam suspender a medida.

A rastreabilidade é capaz de ampliar a segurança, otimizar a logística, gerar confiança nos mercados e elevar padrões de sustentabilidade. Contudo, seu sucesso depende de conhecimento técnico, análise econômica e amplo diálogo para engajar os atores envolvidos, o que, até aqui, não se verifica no PNRA.

É preciso perguntar: faltam mecanismos no Brasil para controlar agrotóxicos e proteger a saúde pública, o meio ambiente e o consumidor? A resposta é não. O país possui leis rigorosas sobre fabricação, distribuição, comercialização, uso e destinação das embalagens de agrotóxicos. A aquisição desses produtos só ocorre mediante receita agronômica assinada por profissional habilitado e acompanhada de nota fiscal. Há ainda programas consolidados, como o PARA (Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos), da Anvisa, e o PNCRC/Vegetal, do próprio Mapa.

Esses programas indicam que os alimentos consumidos no Brasil são seguros e apresentam níveis de resíduos abaixo dos limites estabelecidos. Segundo a Embrapa, a agropecuária brasileira abastece cerca de 800 milhões de pessoas, ou 10% da população mundial. Além de atender o mercado interno, o país exporta seus excedentes para mais de 200 países, sem restrições que coloquem em dúvida a qualidade dos produtos brasileiros.

No caso da água potável, o monitoramento é realizado pelo Sisagua, do Ministério da Saúde. Os dados mostram que, na quase totalidade das amostras coletadas semestralmente nos municípios, os resíduos de agrotóxicos permanecem abaixo dos valores máximos permitidos, assegurando a qualidade da água para consumo humano.

Outro exemplo é a destinação das embalagens dos agrotóxicos. O Brasil lidera o recolhimento mundial, com índice de 94%. Desde 2002, o Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (inpEV) já retirou mais de 820 mil toneladas de embalagens da natureza. Em 2024, foram mais de 68 mil toneladas destinadas de forma ambientalmente correta. Importante destacar que o instituto faz a rastreabilidade em toda a sua cadeia de custódia, promovendo a economia circular.

Isso mostra que o Brasil dispõe de bons instrumentos regulatórios e mecanismos eficazes para garantir segurança do alimento, proteção ambiental e saúde pública. Ainda assim, há espaço para aprimorar processos, sobretudo com a digitalização e o avanço tecnológico.

Se for bem implementada, a rastreabilidade agregará valor ao agro, elevando os padrões de segurança e sustentabilidade, facilitando recalls, otimizando a logística e promovendo a imagem do Brasil nos mercados internacionais. Países como Argentina, Estados Unidos, França, Holanda e Turquia já desenvolvem projetos de rastreabilidade de pesticidas, baseados nos padrões da GS1, entidade global que define códigos e sistemas de identificação e rastreabilidade em cadeias de suprimento.

Entretanto, o Brasil possui características próprias, como suas dimensões continentais, importa a maior parte dos agrotóxicos que utiliza e tem uma agricultura tropical e diversificada. Hoje, existem mais de 3.400 distribuidores e 1.200 cooperativas agrícolas, espalhados por cerca de 1.400 municípios, atendendo a mais de 2 milhões de estabelecimentos agropecuários. Implantar um sistema que registre a movimentação física e o fluxo de informações de agrotóxicos exigirá investimentos elevados, infraestrutura robusta e plena integração entre União, estados, empresas e agricultores.

Rastreabilidade de agrotóxicos no Brasil: oportunidade ou custo extra?

A solução proposta pelo Mapa para o PNRA, baseada no Brasil-ID/Rastro-ID e no uso de RFID (Identificação por Radiofrequência), é tecnológica, mas também onerosa. O RFID tem vantagens inegáveis, sobretudo na leitura rápida e simultânea de grandes volumes, sem necessidade de contato visual direto. Porém, para embalagens unitárias de agrotóxicos, tecnologias como Data Matrix ou QR Code são muito mais econômicas, atendem a necessidade e podem ser facilmente lidas por fiscais e operadores logísticos. O RFID pode custar até 40 vezes mais que códigos bidimensionais, o que pode inviabilizar sua adoção em larga escala no agro.

Além do custo das etiquetas, há toda a infraestrutura tecnológica e adaptações nas linhas de envase, importadores e em outros pontos de captura e registro de eventos. Para o PNRA funcionar, será necessário um sistema de TI capaz de processar centenas de milhões de registros, integrar-se com outros sistemas governamentais, além de garantir segurança cibernética e respeito à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Esses investimentos podem facilmente ultrapassar dezenas de milhões de reais, sem contar custos anuais de manutenção e treinamento de equipes — valores elevados para um governo que já enfrenta restrições orçamentárias, especialmente na Secretaria de Defesa Agropecuária e nos estados.

A dificuldade em regulamentar a Lei nº 14.785, sancionada em dezembro de 2023, expõe essas limitações do Mapa, que até o momento não desenvolveu o Sistema Unificado de Cadastro e Utilização de Agrotóxicos, destinado a integrar dados de receituários agronômicos, produtores, importadores, exportadores e órgãos de fiscalização. A nova lei estabeleceu prazo de até dezembro de 2024 para a implementação do Sistema Unificado de Informação, Petição e Avaliação Eletrônica (SISPA), que irá conectar Mapa, Anvisa e Ibama. Até o momento, os sistemas não têm previsão para lançamento.

Embora a rastreabilidade seja desejável e possa gerar ganhos reais para a sustentabilidade do agro, a forma como o governo está conduzindo o PNRA preocupa. Avançar na rastreabilidade é positivo, mas não pode significar custos desnecessários ou sobreposição de exigências que onerem a cadeia produtiva.

O agro brasileiro tem compromisso com a modernização. Mas, para que o PNRA seja bem-sucedido, precisa ser fruto de um compromisso setorial e planejamento realista. Implementar rastreabilidade em um país com a complexidade do Brasil é uma jornada longa, que pode levar mais de uma década. Se não for bem conduzido, corremos o risco de transformar a oportunidade de aumentar a competitividade do agro em mais um fator de insegurança regulatória, burocracia e custo extra para o setor produtivo.

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