Taxar a produção ou taxar a ignorância? Por que as “taxações do pecado” não se aplicam aos agroquímicos

Taxar a produção ou taxar a ignorância? Por que as “taxações do pecado” não se aplicam aos agroquímicos

Agricultura Regenerativa: o Brasil já faz — só falta reconhecer

Por Luis Eduardo Pacifici Rangel, membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), Ex-secretário de Defesa Agropecuária e Ex-Diretor de Análises Econômicas e Políticas Públicas do MAPA

Nos últimos meses, o debate sobre tributação de agroquímicos voltou à pauta nacional, alimentado por ações judiciais e discursos políticos que propõem taxas “pigouvianas” (taxa do pecado) para corrigir supostas externalidades ambientais. A ideia soa nobre: quem polui, paga.

Mas, quando aplicada aos insumos agrícolas, revela-se um erro conceitual travestido de percepção de risco — e uma ameaça à segurança alimentar do país.

O que é uma taxa pigouviana — e por que não se aplica aqui

O economista britânico Arthur Cecil Pigou, no início do século XX, defendeu que atividades que geram custos sociais, como a poluição, deveriam ser tributadas para internalizar tais custos. Essa lógica funciona apenas em mercados em que o consumo diminui quando o preço aumenta — o que não é o caso dos agroquímicos.

Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), liderados por Luis Eduardo Rangel, mostra que esses insumos possuem elasticidade-preço da demanda extremamente baixa. Em outras palavras, mesmo que fiquem mais caros, os produtores não reduzem seu uso, porque não há substitutos imediatos capazes de garantir o mesmo nível de produtividade e controle de pragas.

O resultado é previsível: o aumento de tributos eleva o custo de produção, pressiona os preços dos alimentos e agrava a inflação, sem qualquer efeito ambiental mensurável. Em síntese, o imposto recai sobre o consumidor, não sobre o poluidor.

Insumos essenciais, não supérfluos

A Constituição Federal é clara ao prever o princípio da essencialidade: bens e serviços fundamentais à vida devem ter menor carga tributária. É o caso de sementes, fertilizantes e agroquímicos, pilares da segurança alimentar. Compará-los a cigarros ou bebidas alcoólicas, como fazem alguns juristas, é um erro técnico e científico.

Os agroquímicos são bens intermediários essenciais, e não supérfluos. Tributar seu uso como se fossem bens de consumo nocivos equivale a taxar o próprio funcionamento do sistema produtivo agrícola — algo que nenhum país de economia agrícola madura faz.

Evidências empíricas: o imposto que encarece, mas não reduz

A equipe da UnB analisou dados da Conab (2018–2023) para culturas de soja, milho, algodão e arroz. O estudo constatou que os fertilizantes e agroquímicos são os principais determinantes do custo total, com coeficientes positivos e altamente significativos (β = 1,34 e β = 1,06). A elasticidade-preço da demanda dos agroquímicos é praticamente nula — ou seja, o uso permanece constante mesmo com aumento de preço.

A simulação de cenários tributários mostra que a recomposição integral do ICMS e do IPI elevaria o custo médio das lavouras entre 7% e 14%, sem redução de uso. O algodão seria o mais afetado, seguido pela soja e pelo milho.
Isso confirma que o imposto não muda o comportamento produtivo, apenas transfere o ônus para a cadeia e para o consumidor final.

O resultado é coerente com estudos internacionais. Segundo Böcker e Finger (2017), a elasticidade média global da demanda por pesticidas é de –0,28, evidenciando que o consumo pouco reage a variações de preço. Mesmo nos países nórdicos, onde existem taxas ambientais, os efeitos só aparecem quando combinados com educação técnica, extensão rural e inovação tecnológica — nunca isoladamente.

A falha econômica de tributar o essencial

Em mercados de bens essenciais e oferta concentrada, o imposto pigouviano não reduz externalidades, mas cria distorções econômicas. O mercado global de agroquímicos é oligopolizado: 13 multinacionais controlam cerca de 90% das vendas mundiais. Em tal contexto, o imposto é integralmente repassado para o preço final, gerando o chamado “peso morto tributário” — perda líquida de bem-estar que atinge produtor e consumidor, sem ganho ambiental.

Além disso, como demonstram os modelos de incidência fiscal, o aumento de custos nos insumos provoca efeito regressivo: pesa mais sobre os produtores de menor escala e amplia desigualdades regionais.
Do ponto de vista macroeconômico, também ameaça a competitividade das exportações agrícolas, reduzindo margens e estimulando importações de alimentos de países com padrões ambientais mais baixos.

O papel da ciência econômica e agronômica

A agricultura moderna depende de um equilíbrio fino entre produtividade e sustentabilidade. A ciência econômica ensina que não se tributa o essencial, enquanto a agronomia lembra que defensivos são instrumentos de manejo, não de poluição.
Ignorar esses fundamentos é romper com a racionalidade das políticas públicas.

O estudo da UnB reforça que os gastos com agroquímicos funcionam como seguro de produtividade — um investimento para proteger a lavoura contra riscos biológicos e climáticos. O coeficiente de elasticidade positiva (0,5) indica que aumentos nos gastos com agroquímicos estão associados a elevações no valor da produção, embora de forma proporcionalmente menor — característica típica de bens inelásticos. Esse resultado confirma que o insumo exerce função produtiva essencial, e não apenas contábil, no sistema agrícola.

Quando a ideologia substitui a evidência

O problema é que o debate saiu da esfera científica e passou a ser dominado por narrativas jurídicas e morais. No STF, alguns advogados defendem que incentivos fiscais à agricultura seriam “subsídios a poluidores”. Esse raciocínio ignora o princípio constitucional da seletividade tributária, que orienta a menor tributação de bens essenciais. Inverter essa lógica significaria punir a produção de alimentos em nome de uma ideologia ambientalista que desconsidera as evidências.

Sustentabilidade não se impõe: se conquista

A experiência internacional mostra que inovações sustentáveis se difundem por competitividade, não por coerção. No Brasil, os bioinsumos — inoculantes e agentes biológicos — já crescem mais de 30% ao ano graças às vantagens comparativas da agricultura tropical, não a impostos. A política ambiental eficaz deve premiar quem adota tecnologias limpas, e não punir indiscriminadamente quem depende de insumos essenciais.

A tentativa de aplicar taxas pigouvianas aos agroquímicos é, portanto, um equívoco travestido de virtude. Ela ignora o comportamento inelástico desses insumos, desrespeita os princípios econômicos e ameaça a segurança alimentar de milhões de pessoas.

Conclusão: ciência, não convicção

Taxar agroquímicos não é “corrigir o mercado”, é distorcê-lo.
A teoria e a evidência empírica mostram que a seletividade tributária é o caminho mais racional: ela equilibra eficiência econômica, justiça fiscal e sustentabilidade. A agricultura sustentável não nasce da penalização, mas da inovação e da coerência científica.
Nota: O estudo “Desoneração Fiscal, Seletividade Tributária e Mercado de Insumos Agropecuários” será divulgado durante a COP 30, em Belém do Pará, pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável (IDS).

Sobre o CCAS

O Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS) é uma organização da Sociedade Civil, criada em 15 de abril de 2011, com domicilio, sede e foro no município de São Paulo (SP), com o objetivo precípuo de discutir temas relacionados à sustentabilidade da agricultura e se posicionar, de maneira clara, sobre o assunto.

O CCAS é uma entidade privada, de natureza associativa, sem fins econômicos, pautando suas ações na imparcialidade, ética e transparência, sempre valorizando o conhecimento científico.

Os associados do CCAS são profissionais de diferentes formações e áreas de atuação, tanto na área pública quanto privada, que comungam o objetivo comum de pugnar pela sustentabilidade da agricultura brasileira. São profissionais que se destacam por suas atividades técnico-científicas e que se dispõem a apresentar fatos, lastreados em verdades científicas, para comprovar a sustentabilidade das atividades agrícolas.

A agricultura, por sua importância fundamental para o país e para cada cidadão, tem sua reputação e imagem em construção, alternando percepções positivas e negativas. É preciso que professores, pesquisadores e especialistas no tema apresentem e discutam suas teses, estudos e opiniões, para melhor informação da sociedade. Não podemos deixar de lembrar que a evolução da civilização só foi possível devido à agricultura. É importante que todo o conhecimento acumulado nas Universidades e Instituições de Pesquisa, assim como a larga experiência dos agricultores, seja colocado à disposição da população, para que a realidade da agricultura, em especial seu caráter de sustentabilidade, transpareça. Mais informações no website: Link. Acompanhe também o CCAS nas redes sociais:

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