Um justo reconhecimento à brasileira que revolucionou uso de bioinsumos
João Guilherme Sabino Ometto*
O reconhecimento internacional à grande pesquisadora brasileira Mariangela Hungria, com o Prêmio Mundial de Alimentação, considerado o “Nobel” da agricultura, concedido em maio pela Fundação World Food Prize, dos Estados Unidos, é motivo de orgulho para a comunidade acadêmica e todo o nosso país. Sua notável trajetória ilustra com nitidez o poder transformador da ciência quando se alia ao compromisso com o desenvolvimento sustentável.
Engenheira agronômica pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-USP), mestra, doutora e pós-doutora por reconhecidas instituições nacionais e internacionais, pesquisadora da Embrapa Soja, com mais de quatro décadas dedicadas à microbiologia do solo, e integrante da diretoria da Academia Brasileira de Ciências, Mariangela destaca-se pelos estudos bem-sucedidos sobre o uso de insumos biológicos em substituição aos químicos. Com certeza, seu trabalho foi uma contribuição fundamental para elevar a produtividade no campo e reduzir custos e impactos ambientais da agricultura brasileira.
As descobertas de nossa brilhante cientista impulsionaram uma nova mentalidade para a agricultura do Século XXI. Também é emblemático que uma mulher seja a primeira brasileira a receber o Prêmio Mundial de Alimentação, reforçando a relevância da igualdade de gênero, que ainda precisa avançar no contexto da sociedade. O trabalho da pesquisadora é inspirador e muito significativo, pois teve impactos positivos concretos. Seus estudos resultaram na criação de dezenas de tratamentos biológicos para sementes, elevando a produtividade de culturas agrícolas estratégicas e reduzindo a dependência de fertilizantes químicos.
Estima-se que as soluções que a nossa cientista desenvolveu já tenham sido aplicadas em mais de 40 milhões de hectares no Brasil, gerando aos produtores rurais uma economia anual de aproximadamente R$ 127 bilhões em custos com insumos, conforme conteúdo publicado no portal do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea). Além disso, os avanços resultantes de seus trabalhos evitaram a emissão de milhões de toneladas de gases de efeito estufa.
Mariangela representa o melhor do Brasil que pensa, pesquisa e transforma. Sua atuação na Embrapa, na qual ingressou em 1982, é exemplo do quanto a ciência tem sido decisiva para o protagonismo mundial da agropecuária nacional. É difícil imaginar o nosso atual desempenho como um dos maiores produtores e exportadores de alimentos e commodities do planeta sem o suporte das universidades públicas e das instituições de pesquisa.
O Brasil que hoje alimenta o mundo é fruto direto do empenho e talento, muitas vezes anônimos, de pesquisadores como Mariangela e suas instituições, num trabalho sempre realizado com idealismo por quem compreende, com visão e coragem, que não há desenvolvimento duradouro sem conhecimento. Por isso, cabe lembrar, como alerta, que nossa comunidade científica tem recebido, ao longo de décadas, menos reconhecimento social, político e financeiro do que merece. Em anos recentes, o setor enfrentou contingenciamentos, desconfianças e desvalorizações. Entretanto, sempre soube vencer adversidades. No segmento do agro, por exemplo, foi um dos principais fatores que contribuíram para o Brasil superar desafios estruturais no campo.
Dada a relevância da pesquisa para o avanço da agropecuária, considero imperativo que os investimentos previstos no Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) para o período de 2023 a 2026 (R$ 850 milhões para a Embrapa e R$ 145 milhões para o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária – SNPA) sejam executados com rigor e sem atrasos. Esses recursos não são favores nem concessões, mas compromissos com o futuro. Da mesma forma, as universidades públicas, que sofreram perdas expressivas de recursos para pesquisa nos últimos anos, precisam de urgente reforço orçamentário. É nelas que se formam os pesquisadores, que se geram os dados, que se validam as descobertas e se experimentam as soluções.
O justo prêmio concedido a Mariangela, além de consagrar o mérito de uma cientista brilhante, constitui-se em alerta e inspiração. É preciso investir de modo contínuo em gente, educação, laboratórios, intercâmbio internacional e pesquisa. Também são imprescindíveis a liberdade do pensamento no âmbito da academia e o respeito aos cientistas.
O reconhecimento ao trabalho de Dra. Mariangela Hungria tem imenso significado, pois coloca o Brasil no centro do mapa mundial da inovação agrícola e reafirma que nossa ciência é relevante, eficiente e transformadora. Que sua merecida conquista seja também um chamado à sociedade e ao poder público, no sentido de que é preciso dar à pesquisa e à academia o seu real valor. Somente assim teremos, além de prêmios, um país mais justo, mais próspero e, sobretudo, mais preparado para os desafios referentes à segurança alimentar, à agenda do clima e ao desenvolvimento sustentado.
*João Guilherme Sabino Ometto é engenheiro (Escola de Engenharia de São Carlos – EESC/USP), empresário e membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA).